"Acho que foi Albert Camus que disse que a questão mais premente do nosso tempo é cada homem descobrir onde é a sua casa. Aparentemente é uma ideia estranha, pois a maior parte de nós não tem de se perguntar para onde deve voltar ao crepúsculo. Dia a dia há uma rota que voltamos a trilhar sem especiais hesitações, entre a fadiga e a esperança, cruzando as paredes do tempo: esse é o caminho para nossa casa. Cada um cumpre, mesmo sem especial reflexão, trajetórias e rituais que são seus: a estrada que escolhe para regressar (sempre igual, sempre a mudar...); a forma familiar que tem diariamente de rodar a chave; o modo (mais lento, mais repentino) de abrir para o que ali habita; aquela fração de segundo, absolutamente impressiva, antes da primeira palavra, em que a casa inteira parece que vem ao nosso encontro, ofegante ou em puro repouso.
Que quereria dizer Camus, quando escreveu: "Cada homem tem de descobrir a sua casa"? Muitas vezes, perante as questões fundamentais e o embaraço de não encontrarmos imediatamente para elas respostas conclusivas, a própria atualidade vem em nosso socorro, mostrando como a vida é sempre mais simples que as deferências e os reenvios com que a abordamos. Por vezes, basta ver, apenas. Basta-nos tomar um exemplo, tocar uma única entre os milhões de imagens que processam o presente, acolher a breve chama de uma história para que o longo corredor até ao sentido se ilumine.
Que quereria dizer Camus, quando escreveu: "Cada homem tem de descobrir a sua casa"? Penso que a frase longa esconde um repto mais essencial: cada pessoa não tem apenas a tarefa de descobrir uma habitação. Cada pessoa tem o irrecusável dever de descobrir-se, vivendo com paixão e sabedoria a construção de si, esse processo que, por definição, está em aberto e que ao longo da existência se vai efetivando. Nós somos a nossa casa. E poder dizer isso, com simplicidade e verdade, equivale perpetuar aquilo que Albert Camus também escreveu: "No meio de um inverno, finalmente aprendi que havia dentro de mim um verão invencível" in O Hipopótamo de Deus, José Tolentino Mendonça
Estas palavras encontraram-me, simplicidade e verdade. Certeza de que a nossa casa é onde está o nosso coração. E é assim mesmo!